É impressionante como confundimos o que é educar as crianças respeitosamente com a possibilidade de mimar e “estragar” a criança ou que para educá-las é necessário usar técnicas de treinamento ou adestramento.
Primeiro precisamos entender que educar respeitosamente requer tempo, dedicação, acolhimento, saber escutar e ter a sensibilidade para compreender a criança nas entrelinhas, uma vez que dificilmente ela terá a capacidade de verbalizar claramente sobre seus desejos e frustrações.
Quando decidimos pela maternidade, paternidade ou por assumir o papel de adulto responsável pela criança, ao mesmo tempo estamos assumindo que a criança é um ser em construção, em fase de aprendizado e que muitas coisas que para nós são tão obvias, para ela são totalmente desconhecidas.
– Colocar os dedinhos na tomada pode te machucar. Quantas vezes você já repetiu essa mesma orientação para seu bebê ou, melhor que isso, quantos de nós revestimos todas as tomadas de nossa casa para evitar que a criança levasse um choque?
Quantos de nós guardamos todos os objetos pequenos para evitar que nossas crianças os engolissem? Como também, mesmo antes do bebê nascer, já colocamos grades de proteção nas janelas.
Se fosse tão rápido e fácil aprender, bastaria falar uma vez para a criança ter cuidado com as tomadas, não colocar na boca os objetos pequenos, não subir nas janelas e, pronto! Assunto resolvido, não precisamos mais nos preocupar! Mas sabemos que não é assim…
E o mesmo acontece com outros pontos importantes: escovar os dentes, colocar os sapatinhos, não morder outras crianças, comer a comida… Nossa, são tantos aspectos que devemos nos preocupar com nossas crianças!
Quando nos propomos a educar respeitosamente, precisamos ter a consciência de que a recompensa com prêmios, não educa. Da mesma maneira que a educação punitiva, aquela que castiga ou agride, educa muito menos. Em ambas situações, seja premiando ou castigando, estamos adestrando a criança, levando-a a obedecer para receber prêmios ou livrar-se das punições. O tempo de aprendizado não muda, o que muda é a maneira como irá aprender e quais as sequelas que os castigos ou agressões, sejam elas verbais ou físicas, poderão deixar na criança.
Se você comer toda a comida, vai ganhar um chocolate. Se arrumar o seu quarto, vai ganhar um dinheirinho. Se morder o seu irmão, vai ficar de castigo. Premiar ou castigar são ações alheias impostas para modificar ou manter um comportamento, ou seja, no caso de recompensar com a sobremesa, não estamos valorizando a comida, porque é nutritiva, é colorida, é saborosa e que, assim, a criança terá saúde. Ao invés disso, é como se disséssemos, de maneira indireta, que se ela fizer o sacrifício de comer o alimento saudável, se suportar isso, terá a compensação de ganhar o doce e, dessa maneira, o que não é saudável, passa a ser o que é bom.
No caso de pagar para a criança cuidar de seus brinquedos ou de seus objetos pessoais, também estamos querendo “remunerar” como se ela fosse um trabalhador e que ao final da tarefa poderá receber um salário. Ela não é um adulto! Ela também não é o bichinho de estimação que receberá um biscoitinho toda vez que der a patinha. A criança está em fase de aprendizado e, como tal, cuidar de seus brinquedos, colocando-os numa caixa depois da brincadeira, é bom porque ela sempre saberá onde encontrá-los; porque o bichinho de pelúcia, por exemplo, não poderá ser estragado. Guardados, os brinquedos não serão perdidos debaixo do sofá ou tapetes. Precisamos oferecer as condições, nesse caso a caixa, e o nosso apoio, fazendo junto com a criança, até que ela consiga organizar-se sozinha.
Quando confundimos educar com adestrar, estamos desenvolvendo crianças em adultos que sempre dependerão de situações externas, aprovações alheias, julgamentos positivos de outras pessoas. Ou seja, estamos ensinando que o que fazem não importa, mas sim, o que os outros acham do que elas fazem é que tem importância. São crianças que entendem que somente serão aceitas ou amadas se fizerem o que os outros esperam dela, mesmo que para isso tenham que se submeter a comportamentos tóxicos praticados por quem ela necessita dessa aceitação, sejam os pais, os adultos cuidadores ou, mais tarde, seus parceiros, seus colegas de trabalho e etc. São adultos que aceitam tudo desde que seja “por amor”. O valor do que fazem deve ser interno, a satisfação deve ser um processo de dentro para fora.
Agora, pior de tudo isso, é quando não temos tempo ou paciência para a educação de nossas crianças. Então, para evitar que a criança grite, ou chore, logo a atendemos com o que ela quer e não com o que é melhor para ela. Não impomos limite, não sabemos dizer não mesmo quando sabemos que estamos alimentando a criança, por exemplo, com doces ao invés de comida saudável, só para evitar que ela chore ou que tenhamos que perder o nosso tempo insistindo para que coma o alimento saudável. Aí, estamos mimando, criando os pequenos “tiranos”, que vale tudo para que tenham o que quer e que todos seus pedidos e vontades serão, sempre, satisfeitos: basta gritar, chorar ou bater. São aqueles que futuramente serão os adultos que não aceitam o não, que sua vontade sempre prevalecerá às leis ou às necessidades e vontades da maioria, que sempre farão qualquer coisa, para que o seu querer seja atendido, não importa se através de agressões, de eliminação do oponente ou por intermédio de gritos.
Insisto, portanto, que educar respeitosamente requer tempo, dedicação, acolhimento, saber escutar e ter a sensibilidade para compreender a criança nas entrelinhas, uma vez que dificilmente ela terá a capacidade de verbalizar claramente sobre seus desejos e frustrações.
As crianças não nascem sabendo e o aprendizado não ocorre numa única conversa ou alerta. Demanda tempo e muito respeito!
Esta entrada tiene 4 comentarios
Maravilhoso! Mais um que utilizarei no curso de Pedagogia!
Bjssssss
Que ótimo! Inclusive estou com um canal no youtube com o intuito de orientar pais, educadores, cuidadores sobre a importância de educarmos nossas crianças de maneira respeitosa.
Márcia, gostei muito dos exemplos do quê não fazer para educar a criança e dos exemplos que educam para torná-las adultos responsáveis e que respeitam! Parabéns
Sim, Liane. Nossas atitudes com as crianças estão diretamente relacionadas com os adultos que serão.