Sabemos o quanto o formato familiar, a partir do século XX, vem sofrendo diversas transformações e essas novas relações familiares devem ser consideradas quando tratamos sobre quem são os responsáveis pelo provimento e desenvolvimento de nossos filhos, uma vez que o ideal de família que ainda habita o nosso imaginário não é o único e muito menos o melhor modelo que existe.
Independente do formato de família, o mais importante para o desenvolvimento saudável tanto cognitivo, físico, quanto emocional das crianças, diz respeito às relações de afeto e de cuidado que se estabelecem entre as crianças e seus cuidadores. Sem negar a influência genética, é através das relações que se estabelecem entre as crianças e seus cuidadores que essas crianças irão se desenvolver cognitiva, físico e emocionalmente de maneira saudável, ou não.
Com as grandes guerras, um grande contingente de homens foi enviado para o combate e as mães assumiram a responsabilidade da manutenção de seus filhos, lançando-se ao mercado de trabalho e conciliando, assim, as tarefas domésticas, familiares com sua atividade profissional.
Além disso, a partir da invenção da pílula anticoncepcional, que sem dúvida foi o principal libertador da mulher e determinante para a dissociação da vida amorosa da mulher da sua vida familiar, ter filhos passa a ser uma decisão pessoal e não mais uma imposição social. A vida sexual feminina pode começar sem a imposição da maternidade e, com isso, o fim do tabu da virgindade. Dessa maneira, podemos afirmar que essa libertação da mulher é muito recente, para ser mais precisa, tem um pouco mais de 60 anos.
Já nos anos 80, as novas configurações familiares já estavam normalizadas para muitas crianças e a convivência com o pai, a mãe, a madrasta e o padrasto já era rotina.
E, atualmente, filhos de pais separados, filhos de mães solteiras, filhos de casais homossexuais de mulheres ou de homens, crianças adotivas ou frutos de barrigas de aluguel, são alguns de muitos outros modelos de famílias possíveis, porém a relação saudável dependia e depende muito de como os adultos estabelecem essas relações com as crianças.
Do ponto de vista legal, cada criança deve ter aquela pessoa que é sua responsável que, considerando os diferentes laços familiares, pode ser a mãe, ou o pai, ou quem adotou a criança, ou a avó, ou seja, é aquele que assume legalmente essa responsabilidade e, conforme previsto na lei nº 8069, de 13/07/1990, que regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal Brasileira, “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público, assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Ao contrário do que afirmam os ávidos defensores da família nuclear, ou seja, aquela constituída por papai, mamãe e filhos que moram todos juntos na mesma casa, o modelo da família ideal ou tradicional não é garantia de desenvolvimento saudável da criança.
Por isso, é importante romper com o paradigma de que o modelo da família nuclear é sinônimo de família ideal e a melhor para a formação dos filhos. A literatura científica nos traz inúmeros estudos que comprovam que em todos os formatos de família existem casos que deram certo e outros, muito errado.
O sofrimento da criança acontece por vários outros motivos, como por exemplo, quando o pai ou a mãe a abandona e esse abandono, seja de afeto ou da responsabilidade de provimento, ocorre mesmo que o pai ou a mãe continue na mesma casa com seus filhos. Crianças abandonadas são aquelas, inclusive, cujos pais não assumem a tarefa de impor limites a seus filhos, onde, numa sociedade de consumo, elas são entregues a sua própria demanda, a seus impulsos primitivos de satisfação do prazer, de pulsão de satisfação de seus desejos sem limites e, sem esse cuidado dos seus pais para impor esses limites, essas crianças não criam dispositivos internos para lidar com as insatisfações e isso não favorece o desenvolvimento da criatividade. Outra situação, é o caso de relações tóxicas, quando a criança vive em um ambiente totalmente hostil, de ameaças, crises de raiva e das mais diversas agressões, que vão desde as agressões psicológicas como, até, agressões físicas. Outras relações nocivas ocorrem nesse modelo tradicional, como por exemplo, quando os pais envolvem e usam os filhos para resolver conflitos entre os adultos.
Em alguns casos, havendo a separação do casal, quando o pai ou a mãe se casa novamente, esses filhos da 1ª união passam a ser um problema tanto para o pai ou mãe quanto para a esposa ou marido atual. Já em outros casos, apesar da separação do casal, os laços de amizade e respeito permanecem e os cuidados com os filhos seguem saudável.
Dessa maneira, o que interfere no desenvolvimento saudável da criança, não é o tipo de formação familiar a qual ela faz parte, mas sim, como ocorrem as relações entre os cuidadores e a criança, que podem ser, por um lado, extremamente tóxicas ou de abandono e por outro lado, respeitosa, afetuosa e saudável.
O amor é ótimo, deve existir, mas mais que o amor, toda relação deve ser permeada de respeito pelo outro e pelas diferenças que existem entre as pessoas. O amor pode acabar, mas quando aprendemos a respeitar as outras pessoas, independente de sua cor, sexo, preferências, orientação e maneiras de ser e agir, com certeza estamos plantando sentimentos que não se esgotam.
O olhar do adulto à criança, quando afetuoso, responsável, cuidadoso e que deseja que essa criança exista e seja feliz, é o que chamamos de relação respeitosa e que oferecerá parâmetros éticos para as novas gerações.
Sendo assim, considerando tantas transformações em relação às formações familiares e de tantas novas demandas da sociedade atual, seguir apenas a intuição ou seguir o modelo de relação na qual fizemos parte no passado, não é mais possível. São novos tempos, novas demandas, novos problemas, nos quais antigos modelos não se aplicam mais.
Tratando-se da educação de nossas crianças, com certeza, cabe-nos a humildade em aceitar que necessitamos nos lançar ao processo da educação, da aprendizagem para que possamos aprender a educar: enquanto educamos, precisamos ser educados.
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Márcia, parabéns pelo excelente artigo sobre nossas crianças! Mais do que nunca devemos nos unir e assumir a responsabilidade com a educação e cuidado das crianças do mundo !
Liane, cabe a todos nós essa responsabilidade de cuidar das crianças. Tenho certeza que é o caminho para termos uma sociedade melhor.
Márcia, parabéns pelo excelente trabalho e dedicação! Mostrando o quanto é importante: quem educa e quem cuida e fazer conscientizar a todos!
Flórida, você é uma educadora por excelência. Você formou uma familia linda.
Márcia, realmente é um trabalho árduo educar. A educação começa na família.
Um grande abraço e sucesso.