O Filósofo e sociólogo francês, Edgar Morin, em seu livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, (2000), aborda sobre a cegueira do conhecimento e os diversos erros que o conhecimento está propício a sofrer. Todo aprendizado passa pela percepção humana antes de ser repassado e cada olhar está impregnado dessa percepção de alguém e, portanto, está propício ao erro.
Temos experiências, vivências, saberes distintos e, por isso, somos seres singulares, ímpares e, desta forma, nosso olhar e nossa percepção sobre o objeto do conhecimento é fruto de quem somos, do que conhecemos, sabemos e vivemos. Por isso, o que conhecemos não é um espelho da realidade, mas, sim, fruto de nossas crenças, ideologias e doutrinas. Um exemplo de como o mesmo tema pode gerar posicionamentos tão opostos, seria como algumas pessoas defendem o critério da meritocracia em contraposição ao sistema de cotas para o acesso dos alunos às universidades. Quando defendemos o critério da meritocracia, estamos pressupondo que todos os alunos são procedentes das mesmas condições de escolaridadeou acreditamos que não importa as oportunidades educacionais e sociais dos estudantes, uma vez que, o único fator que os diferenciam e, por conseguinte, será determinante para a aprovação no vestibular, será o esforço individual: quem se dedicou mais, se esforçou mais e teve mais foco nos estudos, será o grande merecedor da vaga no curso escolhido. Já, o sistema de cotas, reconhece que nem todos os alunos tiveram acesso às mesmas condições de estudos, à mesma qualidade de ensino e nem tiveram as mesmas condições para a dedicação a sua aprendizagem. Dessa maneira, a chance daqueles alunos que tiveram acesso às melhores escolas, com oportunidade de dedicar-se somente aos estudos, será muito maior de ingressar nas melhores universidades.
Essa dicotomia de opiniões em relação ao mesmo tema poderia ter embasamento na fala de Paulo Freire que, ao manifestar-se contra a educação bancária, defendia que oconhecimento não é transferido, ele é construído a partir de um processo dialógico, que pressupõe a interação com outras pessoas, outras ideias e, por intermédio do que Paulo Freire chamava “Rodas de Conversa”, propõe a democratização da comunicação como possibilidade de entendimento e intervenção sobre temas e conflitos complexos e, consequente, transformação da realidade.
Em ambientes facilitadores, a construção e produção do conhecimento é consequência de movimentos circulares que envolvem pesquisa teórica, debates, trocas, aplicação prática, confronto entre teoria e prática, novos questionamentos e novas pesquisas, debates, e assim por diante. Por isso, o conhecimento é provisório e, a partir do confronto entre a percepção e a realidade, são gerados novos questionamentos e dúvidas.
A ausência desse processo de construção, produção e circulação do conhecimento leva à cegueira em relação ao conhecimento adquirido e isso nos limita, nos torna vulneráveis e passíveis à manipulação, a erros de percepção e nos impede de exercermos a riqueza que é o exercício da cidadania por intermédio da maneira fundamental que é a prática do diálogo, que pressupõe o ouvir e o falar; o discordar a partir de argumentos claros e fundamentados e, principalmente, perceber que muitas vezes não existem somente dois lados opostos sobre uma determinada situação. A radicalização e polarização de opiniões nos enfraquecemcomo indivíduos e como sociedade e, infelizmente, leva-nos a crer que não existe o meio termo, levando à divisão da sociedade em dois polos muito distintos e radicais e cada indivíduo ou faz parte de uma ou de outra extremidade: ou somos isso ou aquilo; ou somos da direita ou somos da esquerda e, para agravar, estamos vivendo a mais lastimável manifestação de ódio e desprezo em relação ao “inimigo” que pertence à extremidade oposta daquela que ocupamos e julgamos ser a correta. Além disso, a polarização favorece a generalização: todos os professores são assim, enquanto que todos os militares são assado, gerando um falso juízo sobre a amplitude do que somos.
A fragmentação do conhecimento em disciplinas impossibilita o diálogo entre as diversas áreas do saber e favorece o estudo de parte do conhecimento, consequentemente, limita a suaaquisição e construção de maneira global, contextualizada e significativa. Além da precariedade dessa formação ou atéausência da educação escolar, grande parte da população não tem acesso a meios confiáveis de propagação de saberes validados e estão totalmente passíveis à propagação massiva, por intermédio da internet, de informações e opiniõessimplistas e sem o aprofundamento necessário para sua validação. Todos esses fatores resultam no que podemos chamar de banquete completo para a disseminação de percepções equivocadas, recheadas de opiniões de senso comum, sem qualquer fundamentação teórica e, pior, sem a possibilidade do diálogo tão necessário para a construção do conhecimento, em decorrência do confronto raivoso entre as pessoas que a polarização e radicalização de opiniões geraram.
Resgatar a importância da educação de qualidade que pressupõe um ambiente facilitador para formação e aaquisição de conhecimentos é fundamental para que ocorra a transformação do que estamos vivenciando atualmente. Além disso, cabe à cada cidadão a responsabilidade de, antes de propagar suas percepções e opiniões, lançar o tão necessárioquestionamento sobre suas convicções individuais. É necessário, ainda, crer que não somos detentores do saber absoluto e que podemos, sim, estarmos equivocados em relação ao nosso ponto de vista. Coloquemos em cheque nossas convicções, ideologias, crenças e tenhamos a sensatez e atitude de tirar as vendas que tapam nossos olhos e noscausam a cegueira do conhecimento.
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Ótimo texto! A construção do conhecimento é algo dinâmico e a criação de politicas que facilitem o acesso à educação é de suma importância para a democratização e expansão do conhecimento.